Com mais de 50% da população mundial com menos de 30 anos , os jovens já se apresentam como os principais tomadores de decisão na sociedade, influência que aumenta à medida que se inserem na base eleitoral e nas forças de trabalho e de consumo. O papel de transformação do jovem se torna cada vez mais relevante em um mundo que enfrenta crises em diversos setores, especialmente no que tange ao acesso à justiça e ao desenvolvimento de uma cultura de paz.
Apesar de residir no jovem a capacidade e a esperança na renovação de ideias e soluções para o futuro, essa mesma força vem diminuindo o seu brilho diante da crise. No Brasil, vivemos um colapso político e econômico, em que o desemprego jovem atingiu o percentual de 30,5% em 2017, segundo pesquisa divulgada pelo Relatório Mundial da Juventude realizado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, Desa .
No que diz respeito ao acesso à justiça, que é, sem dúvidas, o maior desafio para a promoção de uma sociedade mais pacífica, inclusiva e sustentável, enfrentamos a escassez, a desigualdade e a falta de efetividade do Judiciário brasileiro como método de resolução de controvérsias. Segundo o Relatório Justiça em Números, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, 80 milhões de processos tramitaram no país em 2017 . Isso significa um contingente enorme de pessoas em busca de justiça, que muito provavelmente tardará em chegar.
A promoção do acesso à justiça, relacionado ao Objetivo de número 16 da Organização das Nações Unidas (“Paz, Justiça e Instituições Eficazes”), é um dos objetivos propostos pela agenda 2030. A agenda foi construída em setembro de 2015 pelos 193 Estados-membros da ONU e consiste em um plano de ação para fortalecer a paz universal por meio das pessoas, do planeta e da prosperidade . Para tanto, indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, os quais contêm 169 metas que visam erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta. Os ODS, que devem ser alcançados até 2030, são integrados e indivisíveis, e consistem em três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. Os objetivos e metas são estabelecidos de forma clara, de forma que todos os países, governos, sociedade, empresas e academia possam adequá-las para as suas prioridades.
Nesse contexto, como aumentar a participação brasileira no desenvolvimento de ações que visem alcançar os 17 ODS, especialmente no que tange ao acesso à justiça? Para que a entrega em 2030 seja satisfatória, é preciso reconhecer os avanços já alcançados e traçar estratégias de curto, médio e longo prazo a serem cumpridas.
O Brasil já avançou na sua caminhada até 2030 ao instalar uma Comissão Nacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, instância de governança máxima da Agenda brasileira, e também com a elaboração do Plano de Ação da Comissão para o período 2017-2019, que consiste na universalização da Agenda, para que cada brasileiro possa ser protagonista na implementação dos ODS, como também atividades que dialogam com dois grandes desafios: internalização da Agenda e a localização dos ODS, que é o processo de levar em consideração os contextos subnacionais na realização da Agenda 2030 . Além disso, foi criada a Plataforma Agenda 2030 (www.agenda2030.org.br), que pretender auxiliar o Brasil na entrega de soluções integradas para desafios complexos.
No que tange ao acesso à justiça, é por meio dele que se alcançará a cidadania e a garantia de direitos fundamentais para o ser humano. Ressalta-se que o acesso à ordem jurídica justa não se restringe somente ao sistema jurídico processual, mas abrange um conjunto de atores e instituições capazes de fomentar a cidadania e a inclusão social.
Nesse contexto, os Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC’s), internacionalmente conhecidos como “ADR’s” (do inglês Alternative ou Adequate Dispute Resolution), aparecem como a solução mais adequada por se tratar de processo transparente e isonômico de resolução de disputas. Consistem, por exemplo, na aplicação da negociação, mediação, conciliação e arbitragem como formas mais adequadas e pacíficas de solução de conflitos, uma vez que prioriza a autocomposição das partes. E os jovens podem ser as peças chave na implementação dos métodos no Brasil, que ganharam força com a implementação da Resolução nº 125/2010 do CNJ.
O jovem brasileiro que acaba de entrar para o mercado de trabalho enfrenta muitos desafios, dentre eles o desemprego e a falta de experiência, mas pode e deve ser agente de mudança ante a possibilidade de poder acompanhar – e poder evoluir – com todo o processo de implementação dos objetivos estipulados pela ONU para 2030.
Por tratar-se de uma nova cultura a ser implementada, por meio da utilização de procedimentos mais flexíveis, informais e ágeis, sua prática relaciona-se à própria característica do jovem que, diferente das gerações anteriores, já cresceu sob a influência da internet, moldando seus hábitos para algo mais flexível, dinâmico e transparente. Os nascidos entre a década de 1980 e 2000, também conhecidos como Geração Y ou Millennials, estão a um clique de resolver alguma dúvida ou obter informação. Vivem em constante movimento e possuem a habilidade necessária de se fazer engajar por meio das redes sociais. Além disso, segundo a Global Shapers Survey 2017, do World Economic Forum, os jovens valorizam a a integridade, a ética e a transparência de informações em todas as esferas de suas vidas, o que se adequa aos princípios propostos pelos MASC’s, os métodos adequados de resolução de disputas. Por valorizarem a autonomia, não se contentam somente às práticas de instituições formais, especialmente quando não trazem resultados satisfatórios. São capazes de buscarem por si mesmos a melhor solução para os problemas que lhe aparecem.
A verdade é que os jovens sempre foram a vanguarda dos movimentos que abriram novos caminhos, mas diferente de atuarem sob um viés político, militar, sindical ou até mesmo religioso/espiritual, como já ocorreu no passado, por exemplo, pelo movimento hippie, na década de 60, ou pelas Diretas Já, na década de 80, hoje a nossa juventude, quando bem valorizada, é capaz de desbravar caminhos por conta própria.
Priorizar o acesso à justiça por meio da implementação dos MASC’s significa priorizar uma cultura de paz, essencial para o desenvolvimento humano sustentável, sem o qual nenhuma outra área inteiramente pode prosperar. Envolver a juventude aos mecanismos capazes de transformar a realidade social é um desafio com grande potencial de sucesso, pois haverá a chance de se estabelecer uma cultura colaborativa, justa e sustentável. O casamento entre os jovens e a implementação dos MASC’s tem tudo para dar certo. São os jovens os principais agentes capazes de realizar o cumprimento não só de uma cultura de paz, como de todos os 17 ODS. Afinal de contas, serão eles os principais atores que terão a oportunidade de olhar para trás e viver na prática os esforços implementados para a entrega da agenda 2030 em todos os setores da sociedade – da política às empresas, do social ao ambiental.
* Por Júlia Azevedo Sapucaia, advogada
[1]Pesquisa Impacto dos Jovens nas Organizações. Fundação Estudar e a.karta. 2018. Acesso em 28/06/2019. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/19o8FoYnPSdz96kAD7ZQTYLzsQ0o3QKPa/view>
[2] Youth and the 2030 Agenda for Sustainable Development. Acesso em: 22/06/2019. Disponível em: <https://www.un.org/development/desa/youth/world-youth-report/wyr2018.html>
[3] Pesquisa do CNJ aponta 80 milhões de processos em tramitação no país. Acesso em 30/06/2019. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2018-08/pesquisa-do-cnj-aponta-80-milhoes-de-processos-em-tramitacao-no-pais>
[4] A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Acesso em: 15/06/2019. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>
[5] Brasil avança na implementação da Agenda 2030. Acesso em 15/06/2019. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/sobre/>