Cristiane Dias Carneiro[1]

Resumo: O artigo trata da previsão legal em aplicar multa ao não comparecimento injustificado da parte na sessão de mediação e o princípio da autonomia de vontade das partes.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) (NCPC), em consonância com a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, claramente estimula o uso de meios adequados de resolução de controvérsias. Dentre vários artigos, podemos citar o parágrafo 3º do art. 1º[2].

Outro artigo que reforça este estímulo é o 334[3]. Conforme previsto no parágrafo 4º deste artigo, somente não ocorrerá a sessão de mediação se as duas partes se manifestarem expressamente neste sentido. Na omissão de uma delas (e até mesmo na sua negativa), a mediação será instaurada se a outra parte desejar. Esta determinação legal não retira o caráter de voluntariedade da mediação, pois como nesta são as próprias partes que identificam a melhor solução para todos os envolvidos, ninguém é obrigado a chegar a um acordo com a(s) outra(s) parte(s) sem que o seu interesse seja satisfeito. Assim, se uma parte não desejar permanecer, ela pode se retirar da mediação, conforme prevê o parágrafo 2º do art. 2º da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), que deve ser aplicada também à mediação judicial, sem nenhuma penalidade.

Destaca-se que “retirar-se da mediação” não é a mesma coisa que “não comparecer de forma injustificada na sessão de mediação”. A sessão de mediação, se preenchidos os requisitos previstos no próprio NCPC, já será marcada no início do processo judicial, caso a parte não manifeste a sua falta de interesse no momento oportuno determinado pelo próprio NCPC (parágrafo 5º art. 334).

O princípio da autonomia de vontade das partes rege a mediação (NCPC art. 166 e Lei de Mediação art. 2º), todavia, esta autonomia não significa que as partes não possuem limites. Como observa Cristina Ayoub Riche[4], este princípio sofre algumas limitações, entre elas os preceitos de ordem pública e bons costumes e as imposições legais. Assim, as partes devem comparecer à sessão de mediação marcada caso não tenham, no momento oportuno, manifestado de forma expressa a sua falta de interesse em participar, sob pena de pagamento de multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa (NCPC art. 334, parágrafo 8º).

O NCPC entrou em vigor no início de 2016, mas observa-se que este artigo já começou a ser aplicado com bastante força nesse mesmo ano:

TJ/RJ – 0027826-40.2016.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO

DES. LUIZ ROLDAO DE FREITAS GOMES FILHO – Julgamento: 14/06/2016 – VIGESIMA QUARTA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. REGÊNCIA DO NOVO CPC. DECISÃO HOSTILIZADA PUBLICADA APÓS 18.03.2016. AUSÊNCIA DA DEMANDANTE NA AUDIÊNCIA DE MEDIAÇÃO. COMPARECIMENTO APENAS DE SEU ADVOGADO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 334 DO NCPC. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. RECURSO INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ARTS. 932, III, E 1015 DO NCPC. NÃO CONHECIMENTO.

TJ/RJ – 0055098-09.2016.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO

Des(a). GUARACI DE CAMPOS VIANNA – Julgamento: 09/11/2016 – DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPACHO QUE DESIGNA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 334, DO CPC/2015. A DETERMINAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO REVELA-SE CONSOANTE O DISPOSTO NO ARTIGO 334, DO CPC/2015, SENDO CERTO QUE PARA QUE NÃO OCORRA SUA REALIZAÇÃO HÁ NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE VONTADE DE AMBAS AS PARTES (ART. 334, §4º, I), O QUE NÃO SE VISLUMBRA IN CASU. ATO JUDICIAL DESTITUÍDO DE CONTEÚDO DECISÓRIO IMEDIATO, ART. 203, §§ 2º E 3º, DO NCPC, SENDO, PORTANTO, IRRECORRÍVEL. A TEOR DO ART. 1001, DO CPC/2015 DESCABIDA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PARA IMPUGNAR DESPACHO. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. OUTROSSIM, NÃO SE VISLUMBRA QUALQUER PREJUÍZO AO ORA RECORRENTE, ATÉ PORQUE O MESMO DEIXOU DE REALIZAR QUALQUER PEDIDO LIMINAR NOS TERMOS DO ART. 59, DA LEI 8.2045/1991, NÃO SE VISLUMBRANDO ASSIM O ALEGADO PERIGO IN MORA. SEGUIMENTO NEGADO NA FORMA DO ARTIGO 932, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

Não há definição legal para a expressão “ato atentatório à dignidade da justiça” prevista no parágrafo 8º, do art. 334 do NCPC. Todavia, observa-se que o legislador vem, há algum tempo, estimulando a desjudicialização do conflito e que as próprias partes cheguem a um denominador comum sem a intervenção do Estado. O não comparecimento de uma parte na sessão de mediação está sendo considerado um “ato atentatório à dignidade da justiça” na medida em que foi oferecida à parte uma chance de resolver sem a intervenção do Estado e ela continua com uma postura de litigiosidade. O NCPC não determina que as partes cheguem a um denominador comum na mediação, mas que pelo menos tentem compor o conflito com o auxílio do mediador.

O Poder Judiciário vem penalizando a litigiosidade excessiva e de má-fé[5] e a insistência pela parte na manutenção do conflito no Poder Judiciário, uma vez que se recusa de forma injustificada a participar da mediação, pode ser visto desta forma.

Com esta determinação, o NCPC visa empoderar as partes para que elas mesmas cheguem a um denominador comum, sem a participação do juiz/Estado. Como destaca Kazuo Watanabe[6],

o mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerando a chamada “cultura da sentença”, que traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais, que sabidamente é morosa e ineficaz, e constitui o calcanhar de Aquiles da Justiça.

Mais do que isso, o art. 6º do NCPC[7] prevê que as partes devem cooperar para que o conflito seja resolvido no tempo razoável e de forma justa. A ausência injustificada na sessão de mediação contraria este dispositivo legal também.

A imposição da multa prevista no parágrafo 8º, do art. 334 é, de certa forma, uma das maneiras que o legislador identificou que, de uma maneira geral e sem entrar nos aspectos sociológico e antropológico, a sociedade brasileira faz a mudança de cultura. Temos como outros exemplos a mudança de cultura no trânsito: o legislador quando identificou que para reduzir acidentes no trânsito era necessário o uso do cinto de segurança de forma obrigatória[8], previu no Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) multa para o condutor/passageiro que assim não agisse[9] (tivemos também a Campanha Cinto de Segurança Salva Vidas) e, mais recentemente, a Campanha da Lei Seca para reforçar ao condutor a proibição legal de dirigir após ingerir bebida alcóolica[10].

Agora, o legislador identificou que para “transformar a dominante ‘cultura da sentença’ em ‘cultura da pacificação’”, como ensina Kazuo Watanabe[11], era necessária a multa para o não comparecimento injustificado de uma das partes à sessão de mediação.

Neste artigo não se discute se esta atitude do legislador é certa, errada, exagerada ou necessária sob os aspectos sociológico e antropológico, ressalta-se apenas que não é novidade no nosso ordenamento jurídico que a mudança de um comportamento esteja associada à previsão de multa para aquele que não tiver o comportamento legal esperado.

Considerações Finais

A obrigatoriedade do comparecimento das partes na sessão de mediação judicial não contraria o princípio da autonomia da vontade, uma vez que ela poderá se manifestar sobre a sua permanência ou não na mediação. A mediação continua sendo um processo voluntário, mas as partes sofrem como limites as imposições legais.

Neste momento em que se busca a desjudicialização do conflito, torna-se necessário estimular as partes para que elas mesmas busquem a solução mais adequada para as suas questões. Apesar do NCPC não definir o que seria um “ato atentatório à dignidade da justiça”, pode-se entender que a litigiosidade excessiva e de má-fé estaria caracterizando este ato. Da mesma forma que não comparecer de forma injustificada à sessão de mediação seria adotar esta postura adversarial.

O Poder Judiciário já vem aplicando a multa prevista no parágrafo 8º do art. 334 do NCPC para aquelas partes que não comparecem de forma justificada à sessão de mediação.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei nº 13.105/2015. Disponível no endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13105.htm. Acesso em 24.10.2016

RICHE, Cristina Ayoub. Lei de Arbitragem nº 9.307/96 – Uma solução alternativa para os conflitos de ordem jurídica. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001.

BACELO, Joice. Consumidores são presos por fraudes em ações contra empresas. Disponível no endereço eletrônico http://www.valor.com.br/legislacao/4646745/consumidores-sao-presos-por-fraudes-em-acoes-contra-empresas. Acesso em 26.07.2016.

Procuração falsa extingue ação mesmo se parte corrige documento posteriormente. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-ago-22/procuracao-falsa-extingue-acao-mesmo-parte-corrige-documento. Acesso em 23.08.2016 – Referente ao processo judicial 1859-58.2010.5.08.0000.

Orientar testemunha antes da audiência de conciliação é má-fé processual. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-ago-28/orientar-testemunha-antes-conciliacao-ma-fe-processual. Acesso em 29.08.2016.

Abusar do direito de ação é ato ilícito e gera dever de indenizar. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-out-02/abusar-direito-acao-ato-ilicito-gera-dever-indenizar.  Acesso em 02.10.2016.

WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o tratamento adequado dos conflitos de interesses. Disponível no endereço eletrônico http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf. Acesso em 20.11.2016.

BRASIL. Lei nº 9.503/1997. Disponível no endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm. Acesso em 07.12.2016

WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença dificulta métodos de mediação no País, diz especialista. Disponível no endereço eletrônico http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/julho/cultura-da-sentenca-dificulta-metodos-de-mediacao-no-pais-diz-especialista. Acesso em 20.11.2016.

[1] Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho. Advogada no Rio de Janeiro. Palestrante e professora convidada dos cursos de MBA e Pós-Graduação Lato Sensu da FGV Direito Rio e da PUC-RJ.

[2] BRASIL. Novo Código de Processo Civil (NCPC), Lei nº 13.105/2015. Art. 1º § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

[3] NCPC art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

  • 2o Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.
  • 4o A audiência não será realizada:

I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II – quando não se admitir a autocomposição.

  • 5o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
  • 6o Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.
  • 7o A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.
  • 8o O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
  • 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
  • 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

[4] RICHE, Cristina Ayoub. Lei de Arbitragem nº 9.307/96 – Uma solução alternativa para os conflitos de ordem jurídica. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001, p. 25.

[5] Litigância de má-fé

Resp. 1.133.262 – Indenização por litigância de má-fé não exige prova de prejuízo

BACELO, Joice. Reportagem: Consumidores são presos por fraudes em ações contra empresas. Disponível no endereço eletrônico http://www.valor.com.br/legislacao/4646745/consumidores-sao-presos-por-fraudes-em-acoes-contra-empresas. Acesso em 26.07.2016.

Procuração falsa extingue ação mesmo se parte corrige documento posteriormente. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-ago-22/procuracao-falsa-extingue-acao-mesmo-parte-corrige-documento. Acesso em 23.08.2016 – Referente ao processo judicial 1859-58.2010.5.08.0000.

Orientar testemunha antes da audiência de conciliação é má-fé processual. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-ago-28/orientar-testemunha-antes-conciliacao-ma-fe-processual. Acesso em 29.08.2016.

Abusar do direito de ação é ato ilícito e gera dever de indenizar. Boletim de Notícias ConJur. Disponível no endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2016-out-02/abusar-direito-acao-ato-ilicito-gera-dever-indenizar. Acesso em 02.10.2016.

Excesso de Recursos

RExt. 551.955-RS – Min. Fux – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO…

[6] WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o tratamento adequado dos conflitos de interesses. Disponível no endereço eletrônico http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf. Acesso em 20.11.2016

[7] NCPC Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[8] BRASIL. Lei nº 9.503/1997 – Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN.

[9] BRASIL. Lei nº 9.503/1997 – CAPÍTULO XV – DAS INFRAÇÕES – Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:

Infração – grave;

Penalidade – multa;

Medida administrativa – retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.

[10] BRASIL. Lei nº 9.503/1997 – CAPÍTULO XV – DAS INFRAÇÕES – Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Infração – gravíssima,

Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses

Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – do Código de Trânsito Brasileiro.

Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

[11] WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença dificulta métodos de mediação no País, diz especialista. Disponível no endereço eletrônico http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/julho/cultura-da-sentenca-dificulta-metodos-de-mediacao-no-pais-diz-especialista. Acesso em 20.11.2016.