Por Antônio Cruz  Netto

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reiterando seu entendimento, decidiu que a existência de cláusula compromissória não afeta a executividade de crédito não pago e não impede a deflagração do pedido de falência previsto no artigo 94, I, da Lei 11.101/05. Para o colegiado, o direito do credor pode ser exercido mediante provocação da Justiça, já que a arbitragem não tem poderes de natureza executiva.

A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é aquela na qual as partes de um contrato estabelecem que as controvérsias serão resolvidas por meio da arbitragem.

O caso analisado pelo STJ tratou de pedido de falência apresentado por uma empresa de metalurgia em relação à empresa devedora, ao argumento de ser credora de R$ 617 mil, representados por várias duplicatas protestadas, sem que a requerida tivesse efetuado sua quitação.

Interesse de agir

A ré na ação, alegou que as partes elegeram foro arbitral e, no mérito, sustentou ter quitado se débito por compensação. Afirmou, ainda, ter efetuado depósito elisivo nos autos(obs: nos casos julgados anteriormente pela Corte, não havia alegação de depósito elisivo).

A juíza de primeiro grau entendeu estar ausente o interesse de agir na propositura da demanda, por falta do prévio exaurimento da matéria no juízo arbitral, e julgou extinto o processo, sem resolução de mérito.

O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para análise do pedido de decretação de falência.

A a parte ré recorreu ao STJ sustentando que, ao efetuar o depósito elisivo, afastou a possibilidade de ter decretada a falência e restringiu a controvérsia a questões de direitos patrimoniais disponíveis, atraindo a jurisdição arbitral.

O relator no STJ, ministro Raul Araújo, afirmou que a pactuação de cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos, a competência atribuída ao juízo arbitral, com preponderância sobre o juízo estatal.

Todavia, segundo o ministro, a existência de cláusula compromissória não afeta a executividade do título de crédito não pago e tampouco impede a deflagração do procedimento falimentar.

“No caso concreto, a despeito da previsão contratual de cláusula compromissória, existem títulos executivos inadimplidos, consistentes em duplicatas protestadas e acompanhadas de documentos para comprovar a prestação efetiva dos serviços, o que dá ensejo à execução forçada ou ao pedido de falência, com fundamento no artigo 94, I, da Lei 11.101/05, que ostenta natureza de execução coletiva”, observou.

Para o relator, ao celebrar a convenção de arbitragem, os contratantes optam por submeter suas controvérsias a um juízo arbitral, mas essa opção não é absoluta e não tem o alcance de impedir ou de afastar, em definitivo, a participação da jurisdição estatal.

Segundo o Ministro Raul Araújo, como o caso analisado envolve pretensão amparada em título executivo, o direito do credor somente pode ser exercido mediante provocação do Judiciário, tendo em vista que o árbitro não possui poderes de natureza executiva, e os atos de natureza expropriatória dependeriam do juízo estatal para ser efetivados.

O ministro afirmou ainda que o depósito elisivo da falência, conforme previsto pelo artigo 98, parágrafo único, da Lei 11.101/05, não é fato que autoriza o fim do processo de falência, pois o processo se converte em ação de cobrança e segue pela via executiva comum, o que seria inviável no juízo arbitral.

Ao negar provimento ao recurso, o relator afirmou que o processo deve ter continuidade na jurisdição estatal. “Aparelhado o pedido de falência em impontualidade injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei (artigo 94, I, da Lei 11.101/05), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação.

A ementa do acórdão está posta nos seguintes termos (RESP 1.733.685-SP):

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TÍTULOS DE CRÉDITO. CONTRATO COM CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.INSTAURAÇÃO PRÉVIA DO JUÍZO ARBITRAL. DESNECESSIDADE. DEPÓSITO ELISIVO. EXTINÇÃO DO FEITO. DESCABIMENTO.

1 omissis.

  1. A existência de cláusula compromissória não afeta a executividade do título de crédito inadimplido e não impede a deflagração do procedimento falimentar, fundamentado no art. 94, I, da Lei 11.101/2005. Logo, é de se reconhecer o direito do credor que só pode ser exercitado mediante provocação estatal, já que o árbitro não possui poderes de natureza executiva. 4. O depósito elisivo da falência, nos moldes do art. 98, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, não é fato que autoriza o fim do processo de falência, uma vez que, a partir de então, o processo se converte em ação de cobrança e segue pela via executiva comum, o que seria inviável no juízo arbitral. 5. O processo deve, portanto, prosseguir perante a jurisdição estatal, porque, aparelhado o pedido de falência em impontualidade injustificada de títulos que superam o piso previsto na lei (art. 94, I, da Lei 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via falimentar.
  2. Recurso especial a que se nega provimento

( DJe 12/11/2018)