Contratos podem ser vistos como acordos entre duas ou mais partes que criam direitos e obrigações executáveis. São desenhados com o intuito de estabelecer os direitos e deveres de cada parte, bem como têm o objetivo de direcionar a resolução de eventuais conflitos. No mundo ideal os contratos deveriam prever todas as possíveis desavenças e descrever quais seriam os caminhos ótimos para resolvê-las. Ainda no mundo ideal, todas partes do contrato teriam acesso ao mesmo conjunto de informações (que seriam críveis) e teriam a mesma capacidade para processá-las e entendê-las. Contudo a realidade está muito longe deste mundo ideal. Isto porque normalmente os contratos são celebrados em ambientes de informação imperfeita e incompleta.

Ambiente de informação imperfeita é aquele no qual as partes não têm conhecimento comum (common knowledge) de todas informações. Exemplos destas situações incluem uma parte ter informação que a outra não tem, as partes não conhecerem os resultados decorrentes do contrato, uma parte não conseguir visualizar todos os possíveis movimentos da outra parte, uma parte não saber o que a outra parte sabe e nem ela saber se a outra parte sabe que ela sabe, e assim por diante. Por sua vez, um ambiente de informação incompleta é aquele no qual há incertezas sobre as regras ou mesmo quando existe subjetividade para a sua aplicação.

A pactuação de contratos em situações de informação imperfeita e incompleta é comum quando estes são firmados decorrentes de transações comerciais, negociais, financeiras ou societárias no qual a complexidade muitas vezes é alta, a especialização é grande e a incerteza sobre o desempenho futuro ou valores a serem recebidos/pagos é elevada.

Neste contexto, a informação contábil torna-se necessária para a celebração dos contratos, pois ajudam a implementar e fazer cumprir os direitos e deveres neles estabelecidos. Definições relacionadas ao reconhecimento, mensuração e evidenciação do lucro, receitas, custos, despesas, ativos, passivos, patrimônio líquido, entre outras, advém da contabilidade e são extensamente utilizadas em contratos com o objetivo de diminuir as incertezas entre as partes. Shyam Sunder (1997) em seu excelente livro “Theory of Accounting and Control”, argumenta que são cinco as funções da informação contábil para a viabilização de contratos comerciais, negociais, financeiros ou societários:

  1. Mensuração da contribuição de cada parte;
  2. Determinação e distribuição dos direitos contratuais de cada agente;
  3. Informar como os agentes estão cumprindo suas obrigações contratuais e recebendo seus direitos;
  4. Gerar conhecimento comum de informações verificáveis para todos os participantes do contrato para facilitar a negociação e a formação de novos contratos;
  5. Propiciar liquidez ao mercado de contratos.

Alguns exemplos podem facilitar o entendimento desta realidade. Inicialmente vamos imaginar um contrato entre uma empresa e uma outra parte que lhe presta serviços. Considere ainda que o contrato celebrado estabelece uma remuneração variável pelo serviço prestado e que esta remuneração é definida como um percentual do aumento do lucro decorrente dos serviços prestados. Ora, esta é uma clara situação em que há incertezas entre as partes e os contratos foram estabelecidos dentro de um ambiente de informação incompleta e imperfeita. Mesmo que o contrato seja muito bem redigido, podem existir diversas situações que levem a divergência entre as partes no que diz respeito a qual o valor e a periodicidade do lucro adicionado pelo serviço e como isto pode influenciar na remuneração do prestador de serviços. O uso de definições contábeis precisas e conceitos adequados certamente diminui (mas não elimina) estas incertezas. Por isso existem os princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) e os pronunciamentos contábeis.

Um outro exemplo decorre de situações de compra e venda de participações societárias dentro de uma empresa onde há divergências entre os sócios. Mesmo que o estatuto ou contrato social discorra sobre os procedimentos para a saída de sócios/acionistas, pode existir alto grau de subjetividade na avaliação de uma empresa e em outros aspectos a ela relacionados. A mensuração do valor de uma empresa depende, primordialmente de dados contábeis como receitas, custos, despesas, fluxo de caixa e lucro, os quais precisam ser bem entendidos para que a subjetividade na avaliação diminua. Contudo, mesmo que cada parte contrate um especialista, podem haver divergências significativas e se questionar a independência dos mesmos.

Estas situações são apenas algumas de uma infinidade onde as divergências entre as partes podem levar a conflitos.

Pode-se visualizar que a resolução destes conflitos pelo Poder Judiciário tende a ser ineficiente e morosa, especialmente por conta da necessidade de grande especialização para a resolução eficiente e justa. Assim, a previsão de cláusula compromissória (aquela que prevê a arbitragem para a resolução de conflitos) é especialmente importante para contratos que tenham como objeto de transações comerciais, negociais, financeiras ou societárias, ou que envolvam a determinação de valores a serem pagos/recebidos decorrentes de avaliação patrimonial ou de performance. Em situações como as acima citadas, a Câmara Arbitral lançaria mão de especialistas para ajudar na resolução do conflito. O objetivo seria possibilitar uma decisão que seja justa e tempestiva.

Assim, recomenda-se fortemente que as empresas que realizam estes tipos de contrato busquem visualizar os potenciais benefícios da existência de cláusula compromissória. Muitas empresas já estão nesta trilha (especialmente as grandes), mas ainda há um longo caminho a percorrer.

*Fernando Caio Galdi é Doutor em Ciências Contábeis pela USP com Pós-Doutorado pela Universidade do Arkansas. É Professor da Fucape e Membro do Conselho Superior da Câmara Cindes/Findes de Conciliação, Mediação e Arbitragem.